Finalmente juntei as peças do puzzle!

Foi a festa de aniversário surpresa que uma mãe me preparou, que inspirou este post...! 

«As invariantes da minha prática socioeducativa»

Introdução
Em setembro de 2007, voltei “ao direto”, como educadora de infância da rede pública, após ter passado por algumas experiências profissionais e/ou educativas extremamente marcantes e que determinaram o meu modo de ser educadora, as quais passo a elencar:
- Responsável por uma equipa de 5 mulheres cuidadoras e membro da comissão de gestão dum equipamento para a infância da rede da AIPICA (entre 1983-85 na Trafaria) e membro da Direção (em 1984-85) – introduzindo a figura de coordenadora pedagógica representada na Direção. 
- Formação inicial de educadoras de infância (entre 1984-89 nos Cursos de Promoção de Educadores de Infância - CPEI, no Magistério Primário de Lisboa) – formação de adultos.
- Adaptação aquática de bebés (entre 1988 e 1997, na SFUAP, Cova da Piedade) – educação parental informal em simultâneo com a intervenção com os bebés.
- Animação Infantil e Comunitária (entre 1991-92 na Boavista, Lisboa e 1992-1995 na Bela Vista, Setúbal) – educação informal com as comunidades ciganas em territórios desfavorecidos.
- Projeto Nómada (entre 1995-2007, no Instituto das Comunidades Educativas) – formação de adultos (e contínua de docentes) e educação informal com comunidades ciganas em contextos informais (nas feiras, nos mercados e na rua).
O ano letivo de 2007-08 não me correu de feição, tal foi a discrepância entre o que estava acostumada a praticar – educação informal em contextos fluidos e não institucionalizados com total autonomia (e consequentes responsabilidades) – e a realidade onde estava inserida – um jardim de infância da rede pública num agrupamento vertical. Esforcei-me por vestir uma outra pele mas a pele de “especialista” em educação informal com as comunidades ciganas teimava em não se soltar e novos desafios se colocaram tendo sido chamada a colaborar com:
- a Equipa Central dos TEIP e a Escola Móvel (entre 2008 e 2011, na DGIDC, ME) apoiando os projetos, do ponto de vista do sistema central do ME.
No ano letivo de 2011-12, regressei, novamente, "ao direto" no agrupamento que se tinha, entretanto, transformado num “mega”.
Paralelamente, também fui estudando: conclui a licenciatura em Ciências da Educação (1995), o mestrado em Educação de Adultos (2002) e o doutoramento em Educação (2013). Fui publicando artigos e livros que se encontram disponíveis na net  (nomeadamente aqui neste blogue) e também na “minha” associação do coração - o ICE – Instituto das Comunidades Educativas, a qual me forneceu o húmus para me tornar na profissional reflexiva e interventiva que sou hoje.
No presente ano letivo 2017-18, julgo ter ajustado ao meu corpo a pele de educadora de infância, regressada "ao direto" em contextos formais e institucionalizados, e sinto a necessidade de arrumar, na minha cabeça, aquilo que caracteriza a minha prática pedagógica, isolando algumas das suas invariantes.

Cheguei com uma mão cheia de lições
Não há a menor dúvida que a escola de formação inicial me marcou profundamente. Naquela altura (1977-80), ter aulas de formação de educadora com a própria Maria Ulrich foi desafiante por vários motivos. Primeiro, estava numa escola de confissão religiosa católica e eu era, já na altura, assumidamente ateia. Segundo, tinha vindo, recentemente, de terras gaulesas, pós 25 de Abril, e estava imbuída de uma matriz francófona contestatária (com influências do Maio 68). As aulas com a Maria foram sempre muito debatidas e argumentadas mas profundamente respeitadoras das crenças e convicções diferentes das dela. A primeira lição foi a de aprender a respeitar os diferentes modos de pensar ainda que, aparentemente, fossem diametralmente opostos. Mas aprender a respeitar não significa aceitação incondicional. Tínhamos, sempre, o livre arbítrio para fazer a nossa quota parte neste mundo, ainda que o devêssemos fazer de modo pacífico. 

A seguir, nas aulas de metodologias pedagógicas, com a Maria João Atayde, descobri a “pedagogia de situação” (e que, posteriormente, designei por "Duende Pedagógico"), entre outras, obviamente. Mas esta, em particular, ecoou em mim, profundamente, quando tive de trabalhar em terrenos e contextos fluidos e informais, em que a pedagogia (o ato educativo intencional) acontece à medida que as pessoas aprendem a conhecer-se, sem planos, ou melhor, aprendendo a desmanchar planos e a reconstruí-los improvisando, aqui e agora, com o que o acaso nos traz de surpreendente, cativante e desafiador. A segunda lição foi confiar nos contextos de vida de cada um e em cada momento/instante fluído e efémero, enquanto húmus potencialmente educativo.

Uma outra escola de vida muito importante foi ter tido o privilégio de poder ter aprendido em diferido com as minhas “alunas do CPEI”, todas mais velhas do que eu, uns bons pares de anos, algumas até décadas. Todo o trabalho delicado, diria mesmo de filigrana, feito nos bastidores e na retaguarda, que uma, na altura, chamada auxiliar de educação e, hoje, designada de assistente operacional, tece numa creche ou num jardim de infância, foi me dado a conhecer e a admirar. A terceira lição foi aprender a respeitar todo o trabalho invisível dos demais cuidadores de crianças que amparam e respaldam o trabalho mais visível da educadora de infância, ou seja, a incontornável interdependência de uma equipa educativa.

Com estas 3 primeiras lições, pude então “mergulhar” no espaço fluido e informal da adaptação aquática de bebés, sem peias, e continuar a aprender sobre a relação educativa entre pais e filhos, o que a fortalece ou a fragiliza. A quarta lição foi aprender a ler nas entrelinhas, a observar a linguagem não verbal do amor, das cumplicidades, do desenvolvimento e das aprendizagens informais no seio da família e dos demais cuidadores e potenciais educadores informais.

Mais tarde, trabalhar em bairros periféricos e/ou com populações fragilizadas, ancorada nas 4 lições anteriores, senti-me capacitada para aprender a ser animadora/dinamizadora comunitária. Nesses espaços de interação social e espacial com os territórios, julgo ter aprendido a quinta lição: a de confiar na capacidade transformadora dos outros e das mudanças a introduzir quando se potencializa a participação ativa de todos os intervenientes do ato educativo. Acreditar na capacidade mobilizadora, aglutinadora, agregadora, organizadora da festa, mais precisamente da arte (seja dança,  música, dramática ou plástica), enquanto objetivo estratégico para colocar em comunicação pessoas, aparentemente diferentes, e contribuir para esbater fronteiras e derrubar muros. A festa despoleta emoções positivas que aproximam as pessoas e as tornam mais colaborantes, mais disponíveis e permeáveis ao outro, promovendo a cooperação, ainda que temporária – um tempo de vida efémero mas intenso de um acontecimento que deixa marcas emocionais positivas indeléveis.

Foram estas as lições que trouxe para os contextos formais que não consegui despir, sendo a minha primeira pele e sobre a qual vesti uma pele (que já tinha sido minha), já renovada, de educadora de infância em espaços institucionais, com horários, regras e rotinas “impostas”.

Apetrechando o ambiente educativo ou a apropriação dos espaços e dos tempos
Os espaços e os tempos de que me aproprio, qualquer que seja a sala que me tem sido atribuída, são fundamentais. Primeiro, preciso de acomodar a sala para que me sinta em casa e possa acolher os seus pequenos habitantes.
  • O grande tapete no centro da sala – o pulmão/coração do grupo – (a importância do chão na conquista da segurança e autonomia aprendi com Pierre Vayer, numa formação em 1979) - espaço de grande grupo para conversar, partilhar, contar histórias, fazer aprendizagens mais dirigidas, etc…
  • Os bonecos de pano que vão passar o fim de semana em casa de cada criança ao longo do ano, por ordem alfabética, acompanhados de um caderno viajante onde os pais registam e as crianças ilustram o que vivenciaram e que será partilhado com o grupo na 2ªfeira.
  • O placard das ideias – local de exposição dos projetos autónomos.
  • A ilustração de regras de convívio escolhidas e estabelecidas. Não há responsáveis, cada criança deve ser responsável por arrumar o que desarrumar.
  • A medalha do bom amigo entregue a quem ajudou outro amigo - eleitas 5 crianças em grande grupo.
  • Fotografar “tudo e mais um par de botas” (para elaborar apresentações e mostrar aos pais nas reuniões de balanço trimestrais e que, nos últimos 2 anos, consubstanciam este blogue).
  • O jornal de parede – alimentado com as notícias ilustradas – boas e más - que as crianças querem partilhar, com os elogios que querem dar e com as ideias que querem fazer – que servem de mote para aprofundar as conversas ou dirimir conflitos.
  • A leitura de pequenas histórias no momento de lanchar (fábulas, tradicionais, para rir, etc… com ou sem apoio de livros ou CD’s), para tornar os momentos “de espera” menos tensos e mais conviviais e calmos.
  • Os autorretratos com o nome expostos no alto da sala, por ordem alfabética, para aprender a escrever o seu nome e os dos colegas.
  • As danças e canções coreografadas no final da manhã e/ou final do dia, para irem almoçar ou para casa bem dispostos e mais cúmplices, contribuindo para "grudar" o grupo.
  • Os jogos espetaculares, especialmente no início do ano, para aglutinar o grupo, em torno de momentos divertidos (jogos dos cachorrinhos cegos, das cadeiras calçadas, do dragão e da princesa, das tendinhas, do cobertor, do telefone estragado, da eletricidade, do sino, do quente e frio, do Kim, das cartas mágicas, etc…).
  • No recreio, brincar com as crianças ao “lobo mau”, ao “vamos à caça do urso”, dar colo com “o tão balalão”, o “arre burrinho”, etc… ajudando a integrar as crianças mais tímidas e/ou tristinhas.
  • A utilização dos panos coloridos (e macios) para se disfarçar/fantasiar e dramatizar histórias (reinventadas ou tradicionais).
  • A compilação em “caderninhos” dos trabalhos realizados e expostos no placard da entrada, para os pais os poderem folhear.
  • Nas áreas típicas de uma sala de jardim de infância (garagem e construção, casinha e disfarces, jogos de mesa, modelagem) podem estar uma mão cheia de menin@s (5 crianças de cada vez) mas não está escrito nem exposto. Cada uma tem de verificar se pode entrar, contando os amigos que lá estão. Se há mais meninos do que os que devem, recorre-se à sorte “Um do li tá” e tem corrido tudo bem. Procura-se que, ao longo do dia, todos passem pelas áreas de faz de conta, dizendo/memorizando se já lá estiveram. Somos flexíveis em função do tipo de criança (idade e características individuais e/ou do funcionamento em grupo).
  • As duas caixas - das letras e dos números - com material manipulável a explorar.
  • A utilização do caderno de sistematização de aprendizagens que construo com as crianças (no 2º ou no 3º períodos).
  • Os livros de ideias de artes plásticas, de origamis e de ciências, onde as crianças se podem inspirar para, autonomamente, realizar pequenos projetos individualmente, a pares ou em pequeno grupo.
  • A utilização de jogos de sociedade (de adultos) para desafiar a aprendizagem da matemática, nomeadamente os dominós de pintas, as cartas, as damas e o xadrez.
  • A utilização de expressões idiomáticas, tipicamente portuguesas: “fazer tudo às 3 pancadas”; “querer tudo e mais um par de botas”; “os 3 da vida airada ”; “a mostarda está a subir ao nariz”; “temos a burra nas couves”, etc…

Outras invariantes (incontornáveis) do calendário escolar
Com esta “caixa de ferramentas” e com os pequenos aprendizes que vão conviver comigo, anualmente, vamos tentar viajar e incorporar outras invariantes do PAA - Plano de Atividades do Agrupamento.
  • As datas comemorativas e festas tradicionais: Dia da Música, Dia dos Animais, Dia da Alimentação, Dia dos Medos, Magusto, Natal, as Janeiras, Dia da Paz, Carnaval, Dia da Mulher, Dia do Pai, Dia da Árvore, Dia da Liberdade, Dia do Trabalhador, Dia da Mãe, Dia da Criança, Dia do Ambiente, Festa de Encerramento – São João, feriado municipal).
  • Os Projetos: A receção, A ciência é divertida, Articulação com o 1º ciclo, a Missão Pijama, a Maçã dos Afetos, o Laço Azul, etc..
  • As visitas e passeios: ao Pavilhão do Conhecimento, ao Oceanário, aos vários Museus da Cidade de Almada, à Quinta do Bonaparte, ao Teatro Infantil de Lisboa, o Passeio Final de Ano (ao Monte Selvagem). 

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